A cidade de São Paulo passou por intensas mudanças nas últimas décadas, que transformaram radicalmente suas características sociais e espaciais e tornaram o tecido urbano muito mais heterogêneo e complexo. A avaliação é dos autores do livro São Paulo: novos percursos e atores (sociedade, cultura e política) publicado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM). Sediado no Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap), o CEM é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
O livro teve origem em uma publicação em espanhol organizada por Lúcio Kowarick e Eduardo Marques, pesquisadores do CEM e professores do Departamento de Ciência Política da USP. Intitulada Miradas cruzadas: sociedad, política y cultura, foi publicada em 2011 como parte de uma série sobre cidades latino-americanas editada no Equador pela Organização Latino-Americana e do Caribe de Cidades Históricas (Olacchi, na sigla em espanhol), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
A incumbência dos editores equatorianos para os pesquisadores brasileiros foi a de organizar um livro que quebrasse tabus da literatura latino-americana sobre cidades brasileiras – especificamente sobre São Paulo –, que perduravam nas últimas quatro décadas.
Segundo Marques, na década de 1970 São Paulo foi objeto de uma literatura muito eloquente, que resultou em um diagnóstico bastante perspicaz da cidade. Porém, como efeito negativo da força dessa literatura sobre a metrópole paulista, nos anos posteriores se repetiu o mesmo discurso sobre a cidade e o debate sobre ela ficou desatualizado.
“Há uma série de processos que já não estão ocorrendo em São Paulo há muito tempo e se continua com a mesma impressão e diagnóstico sobre a cidade, datados dos anos 1970, que já não fazem muito sentido”, disse Marques à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, um dos mitos que havia sobre a cidade na América Latina, mas que já foi incorporado ao debate local, está relacionado aos processos migratórios que se reduziram muito intensamente nas últimas décadas. “Hoje, poucos assuntos relacionados a São Paulo são fortemente impactados pela questão da imigração”, avaliou.
O panorama de São Paulo apresentado pela nova literatura é de uma cidade que cresce pouco, mas continua se expandindo para as periferias, que se tornaram mais heterogêneas, explica Marques.
Por sua vez, o Estado se faz muito mais presente em todas as áreas da cidade, inclusive nas periferias, embora apresentando grandes diferenças de qualidade de suas políticas. E as desigualdades sociais estão se colocando de forma diferente, mais multifacetadas e menos simples de serem compreendidas.
“As desigualdades de acesso às políticas públicas têm se reduzido, embora tenham se recolocado diferenças de qualidade de serviços públicos, e o tecido urbano tenha ficado mais heterogêneo, assumindo uma forma mais complexa do que era anteriormente”, afirmou.
Os autores avaliam que São Paulo melhorou nas últimas décadas do ponto de vista econômico e urbano, em temos de aumento do poder aquisitivo e do acesso da população a serviços públicos, expresso na maior proporção de domicílios servidos por rede de água e esgoto, coleta de lixo, pavimentação e iluminação.
Apontam também que, embora produzidos fora dos padrões técnicos recomendáveis e construídos ao longo de anos, na medida do possível, a moradia popular, o loteamento clandestino e as favelas paulistas apresentam hoje melhor qualidade habitacional do que nas décadas passadas.
Como consequência desses diversos processos contraditórios, os pesquisadores apontam a existência de uma intensa heterogeneidade territorial da cidade, inclusive nos espaços periféricos, assim como a presença de múltiplas formas de segregação e pobreza nas periferias paulistas.
“O principal recado que o livro traz ao atualizar o debate sobre as dinâmicas de São Paulo em suas diversas dimensões, incluindo habitação, cotidiano, trabalho, desigualdades sociais e representações culturais, é que a cidade tem se transformado imensamente, tornando-se mais heterogênea, inclusive nas formas de sua desigualdade”, afirmou Marques.
Novos temas
A versão em português do livro é maior e tem um enfoque um pouco diferente do original, em espanhol, que é mais voltado para o público latino-americano.
Dividido em 15 capítulos, os ensaios reunidos no livro são em sua maioria originais e abordam desde temas tradicionais da sociologia urbana, como demografia, favelas e periferias, a novos assuntos, como a presença estrangeira na cidade e a representação da metrópole no cinema contemporâneo. “Esses temas são novos e, geralmente, não estão presentes nos compêndios sobre sociologia urbana”, disse Kowarick.
Segundo Kowarick, alguns dos temas ausentes na publicação se referem à representação da cidade na literatura e sobre o consumo de luxo na metrópole paulista, que é um outro aspecto da cidade, que envolve uma parcela significativa da riqueza nacional e contrasta com a maioria dos textos reunidos no livro, que exploram mais os aspectos da pobreza urbana.
Os autores do livro destacam que São Paulo possui uma classe média de alto poder aquisitivo e uma elite que consomem produtos de luxo. E que essa parcela economicamente abastada da população da cidade explica o fato de São Paulo ter a maior frota de jatos particulares do mundo e a terceira maior de helicópteros – atrás apenas de Nova York e Tóquio –, além de possuir um extenso circuito de lojas de luxo.
“Faltou um artigo no livro que enfatizasse esse consumo de luxo que ocorre em São Paulo e outro sobre literatura social. Talvez nós organizaremos outro livro pensando nesses capítulos que faltaram”, disse Kowarick.
São Paulo: novos percursos e atores (sociedade, cultura e política)
Organizadores: Lúcio Kowarick e Eduardo Marques
Lançamento: 2011
Preço: R$ 52
Páginas: 400
Mais informações: www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=697
Por Elton Alisson
Agência FAPESP